sábado, 21 de junho de 2008

O céu sobre os ombros

Há nuvens cinzas entre as almas
e raios no lugar das palavras.
Há cicatrizes frias onde existia dor
e ainda dói.

O rancor vira saudade
e depois volta a ser rancor
A saudade...
Ah! Saudade!

A vida há de mostrar-lhe
que há verdade em meu pranto
e que as palavras saem puras
do peito de quem chora a dor
em meio a tantos risos.
Por que sorris?

São sonoras gargalhadas
contrastando com os soluços das lágrimas.
São muitas lágrimas
escondidas no sorriso.

Ainda assim canto a angústia
de ter que me sentir limpa
mesmo que em meio a toda a sujeira
que fantasias em nós.
Mas nosso cheiro não se deixa abalar com o tempo.

O senhor das contas, o tempo.
Contando os impulsos, somando os anseios,
tirando as feridas.
O senhor das curas, o tempo.

E, por mais que eu acredite
na força que temos um no outro,
é preciso entender
que o horizonte fica menor
quando se tem o céu sobre os ombros.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O jardim e o jardineiro

Eu perdi a flor
Que se fez murchar
Com o canto dos pássaros.

Eu vi a aurora
Ruir em prantos
Nas gotas de sangue da flor.

A flor, morta,
Colore o cinza das paredes
Frias e espalhadas
Nos grandes centros.

É o jardim que morre
Para o jardineiro vingar

E as abelhas insistem na flor
Que não vive mais,
Que não produz mais
É pó.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O compasso do peito

Que rufem os tambores!
Eis o coração que bate descompassado
atrás do afinado batuque do outro.
Eis o coração exposto aos zique-zagues
na avenida dos sonhos e pesadelos.

Que entrem os músicos!
Começa agora a canção
do fim de mim, da nossa história.
Era uma canção pequena e sem valor,
mas era o maior dos meus tesouros.

Que mudem a música!
A gente aprende a dançar
ritmos diferentes no decorrer da vida.
Eu aprendi a cantar com você
e agora és tu quem desafina meus acordes,
quem me faz perder o fôlego.

Que aumentem os agudos!
E assim apaga-se a minha voz grave,
o meu sussurro sonoro aos teus ouvidos.
O sussurro que é só teu, meu eu.

Ah! Que deixem tocar nas cordas do meu peito
essa incerteza de não mais amar você!
Eu agora não consigo ouvir
a música que guia o sabor das coisas.

Que encerrem a canção
e não hajam aplausos.
É fim de show,
que abram as cortinas!
Acabou-se nós enfim.
Eu comecei, então.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Joana efêmera

Quieta, no canto preferido do quarto, Joana refletia sobre a efemeridade das coisas. As pernas grudadas ao peito, envolvidas pelos braços longos e desengonçados da menina. Pensava que, por mais que as pessoas buscassem eternidade, ela não existia. "Tudo passa".
É certo que se tudo fosse eternizado a vida tonar-se-ia um transtorno incontrolável. Imagine nunca superar a morte de alguém, um amor perdido, um rancor. Bem como, achava Joana, a felicidade constante seria um tédio.
Agora, juntando tudo numa coisa só, Joana entendeu que, viver-se-ia todos esses sentimentos juntos, ninguém escapa de momentos felizes e de tormento. Todos eternos! As pessoas viveriam antíteses enlouquecedoras todos os dias, a toda hora.
Joana sentiu-se arrepiar.
Por um instante os joelhos pulsavam com o coração da menina que batia depressa e compassadamente. Tudo junto? Tudo pra sempre? Ela teve medo.
Ao mesmo passo que a eternidade não viria a calhar, perceber que as coisas não duram pra sempre as torna um pouco mais fúteis, talvez. É prático demais, enquanto a dor toma conta dos sonhos, pensar que um dia vai passar. A certeza de que "vai passar" transforma o sofrer em perda de tempo. Pra quê ficar sofrendo se vai passar? Amanhã eu não vou nem mais lembrar-me da angústia e isso não mais fará sentido?
E ficar feliz? Pra quê? Amanhã acontece uma desgraça e a felicidade, doce felicidade, passa. Acaba. Pronto.
Joana novamente sentiu-se arrepiar.
A mãe entrou no quarto rompendo bruscamente o raciocínio. As pernas esticadas, longe do peito, agora caminhavam em direção à porta. Era hora de ir. Joana sai pela porta de casa e vai viver a vida, os sentimentos que a confundiram tanto por aquelas horas em que manteve-se no seu canto, no seu quarto.
Ela não mais pensou no assunto. Passou.